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Educador, linguista, escritor, estudante de antropologia e mentor de jovens
9 de dezembro de 2022
Se você nasceu no ano de 1996 em diante, você é parte desta extensa família digital chamada Geração Z, ou “Gen Z" para os íntimos. Em 2022 com no máximo 26 anos, os jovens dessa geração compartem características importantes, e entre elas a mais destacada é a relação íntima com a tecnologia. Apesar de serem criaturas muito interessantes, os Gen Zers também são criaturas muito misteriosas, capazes de embaralhar as cabecinhas dos mais velhos. Por vezes profundamente introspectivos e tímidos, por outras, espalhafatosos e deliberadamente baderneiros, essa galera não escapa de ser alvo de estereótipos. Hoje vamos explorar e refletir sobre alguns deles.
1. OS JOVENS SÃO SERES TECNOLÓGICOS
Os jovens desta geração não podem ser desassociados da tecnologia, uma vez que eles nasceram justamente 4 anos antes do início da banda larga chegar no Brasil, com o IG, primeiro provedor de internet no país a oferecer conexão grátis. Com o início dos anos 2000, cada vez mais jovens se conectavam à rede mundial de internet, e essa galera se adaptou muito bem a essa nova realidade, pois eles praticamente nasceram neste novo contexto, diferentemente de seus pais e avós. Esta familiaridade tamanha com a tecnologia, rendeu aos gen zers esta fama de serem seres tecnológicos, que entendem tudo sobre computadores, celulares e aparelhos em geral, mas que por vezes não entendem tanto sobre as relações humanas. E quem pode culpá-los?
Nascendo no começo dos anos 90, mesmo não sendo um gen zer, frequentemente me sentia muito mais à vontade na companhia do meu celular, videogame e computador do que de outras pessoas. Porém, naturalmente que esta conexão excessiva com o virtual pode gerar consequências, como a perda de habilidades socio-emocionais.
Por outro lado, ter nascido na era digital possibilitou uma autonomia muito maior aos jovens. Eles possuem uma ferramenta poderosíssima nas mãos, não apenas de entretenimento, mas principalmente de conhecimento. As possibilidades do que esta geração pode fazer são infinitas com o advento da rede mundial de computadores. A grande questão é: será que nossos jovens sabem como usar as ferramentas virtuais de maneira construtiva e emancipadora?
Infelizmente a resposta no momento é um sincero não para a maioria destes jovens. Mas os adultos sabem? Eu diria que menos que os jovens. Nosso trabalho, logo, é educar jovens (e adultos) sobre os reais potenciais da tecnologia.
2. OS ADOLESCENTES TÊM UMA CAPACIDADE DE ATENÇÃO LIMITADA
Quem trabalha com esta geração, principalmente na área da educação, sabe o difícil que pode ser manter a atenção destes jovens. Plataformas como Twitter e TikTok nos levam a deduzir que a atenção da Geração Z é a mesma de um texto de 280 caracteres ou de um vídeo de 60 segundos. Isto é ainda mais evidente nas crianças de até 11 anos, por condições naturais de desenvolvimento neurológico e mesmo de maturidade.
Adolescentes, na verdade, tem um superpoder de se desconectar dos ruídos de seu ambiente e se focar profundamente em alguma atividade. Você, adolê, já parou para pensar que ao usar esta habilidade de se desconectar dos sermões chatos e sem sentido de alguns adultos, você pode usar esta concentração para algo produtivo e emancipador?
Eu tenho alunos que adoram ler, e me surpreendo com a velocidade que conseguem terminar livros extensos, de mais de 200 páginas.
O grande desafio mútuo é: adultos (professores e demais profissionais que trabalham com jovens) devem encontrar maneiras de tornar conteúdos interessantes para que os adolescentes se mantenham engajados. E jovens precisam se permitir encontrar valor nas vivências e experiências das gerações mais antigas.
As dicas de ouro, por parte dos adultos, é que busquem assuntos da atualidade que façam sentido para mundo do aluno. Jovens sonham e lutam pela construção de um mundo melhor, por tal razão, aulas sobre direitos humanos, luta contra o machismo, racismo, LGBTfobia, desmatamento e destruição da natureza são altamente recomendáveis.
Por outro lado, pediria aos adolês para terem um pouco mais de paciência conosco. Nós viemos de outra época, em que o acesso à informação era bem diferente. E embora pareçamos às vezes uns tontos e desinformados, estamos dando o nosso melhor.
3. OS JOVENS DE HOJE PARECEM O DR. OCTOPUS
A multitarefa é uma característica típica desta geração. Os adolescentes aparentam poder se concentrar em mil coisas simultaneamente. Contudo, isto não é inteiramente correto. Segundo os estudos dos neurocientistas Dra. Elizabeth Hellerstein e Dr. Steven Wexberg sobre a multitarefa, os jovens simplesmente fazem tantas coisas em simultâneo, pelo fácil acesso à tecnologia, que algumas das tarefas parecem estar sendo executadas bem, quando, em realidade, não estão.
Uma das consequências da multitarefa durante os estudos pode ser a ilusão de que os jovens realmente estão fazendo conexões superiores sobre um assunto complexo, mas com a distração este conhecimento fica apenas na superficialidade, como um acúmulo de meras informações.
4. ADOLESCENTES SÓ PENSAM NO PRÓPRIO UMBIGO
Existe esse equívoco de que adolescentes são extremamente egoístas e egocêntricos, seres que não conseguem enxergar além do próprio nariz. Tal pensamento vem das observações de pais e outros adultos a certos comportamentos dos jovens, como a introspecção, a introversão, as mudanças de humor, a ira, a gula e outras características muito comuns nesta fase da vida.
Primeiramente, é preciso pontuar que estas características são absolutamente normais, quando não em excesso. A adolescência é realmente uma época de muitas mudanças. Os jovens estão simultaneamente rejeitando e assimilando comportamentos de outras pessoas, para desenvolverem sua própria personalidade. E como já conversamos antes, o seu cérebro ainda está formando suas conexões neuronais. Este processo intenso em meio ao caos que vivemos e o bombardeio de informações das redes, pode ser uma combinação explosiva.
A verdade é que os adolês são seres muito empáticos, e sonham e lutam para construir um mundo melhor. Na maior parte das vezes o que falta é estímulo e uma dose de direção por parte de um adulto experiente.
Em 2017, professores da University of Birmingham, no Reino Unido, fizeram uma pesquisa com 1296 jovens de 10 escolas, públicas, privadas e religiosas, sobre a participação deles em temas relacionados com saúde nas redes sociais. O resultado mostrou que 53% dos jovens buscam ativamente materiais relacionados à saúde, sendo 60% sobre atividade física, 55% sobre dieta e nutrição e 60% sobre autoimagem corporal.
Por outro lado, a internet está cheia de conteúdo negativo, inclusive sobre a própria adolescência. Os estereótipos que discutimos aqui hoje estão em evidência nas redes, afetando profundamente a autoestima dos jovens.
“Como cidadãos, nossas vozes precisam ser ouvidas – e nossos desejos também – porque um problema individual afeta o coletivo. Estamos fazendo mudanças. Isso pode acontecer através de pequenas ações.”
Kauanne Santos Patrocínio, 16, Brasil
E se nós começássemos a ouvir mais os jovens e produzir materiais positivos sobre esta fase da vida?
5. OS JOVENS NÃO DESGRUDAM DAS TELAS
A constatação que os jovens passam muito tempo em frente às telas é provavelmente o estereótipo mais próximo da verdade. Uma pesquisa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) mostrou que adolescentes entre 12 a 17 anos passam 3 horas por dia, em média, em frente a telas de computador, tablet, televisão, videogames e celular. O uso contínuo de celulares, computador e outras telas é algo muito recente na experiência humana, e ainda não sabemos ao certo as consequências que este uso pode trazer. Há um consenso, no entanto, de que alguns problemas relacionados à coluna, visão e inteligência podem ocorrer.
Tão pouco é necessário ser radical ao ponto de proibir o uso da tecnologia. Adolescentes, es especial os maiores, devem ser convidados a estas discussões e refletir sobre os riscos da exposição intensiva às telas, podendo analisar se estão fazendo uma utilização produtiva das plataformas que usam. Para os adolês menores, pais devem ter conversas francas com seus filhos explicando os riscos acima citados, e limitando o acesso aos dispositivos.
Segundo a Rutgers University, em Nova Jersey, o uso recreativo seguro para os jovens adolescentes é de 1 hora por dia nos dias de semana, e 4 horas nos finais de semana.
CONCLUSÃO
Muitos dos estereótipos sobre a adolescência são simplesmente falsos ou resultado de falta de orientação dos jovens por um adulto responsável e experiente. Estas vozes, que colocam sempre os jovens para baixo, podem ser substituídas por mensagens de carinho, amor e empoderamento, uma vez que os adolescentes são seres maravilhosos com infinito potencial transformador e empático.