Habla Conmigo | Fala Comigo | Talk to Me
Cantora Tetê Espíndola posa com sua craviola - Lucas Lima-05.set.2017/UOL/Folhapress
Educador, linguista, escritor, estudante de antropologia e mentor de jovens
8 de setembro de 2022
Provavelmente você se lembra de Tetê Espíndola, cantora com uma voz singularmente aguda que alcançou sucesso nos anos 80 com a canção Escrito nas Estrelas. O que poucos sabem, contudo, é que a autora deste êxito pop tem sua carreira enraizada na terra, em especial na cultura sertaneja e pantaneira.
Além de cantora excepcional, Tetê é também compositora, instrumentista e alquimista. Eu digo isso pelas aventuras experimentais que ela tem com a música. Seu vanguardismo a possibilitou fazer misturas entre o acústico e o eletrônico, além de utilizar os sons de pássaros e de natureza em seus discos. Algo que Kate Bush, frequentemente comparada à cantora sul-mato-grossense pelo timbre de voz, veio fazer muitos anos depois.
O seu primeiro disco foi lançado em 1978, em parceria com os irmãos (Celito, Alzira e Geraldo), em um grupo chamado Tetê e o Lírio Selvagem (antes LuzAzul). O disco, que tem o mesmo nome, colocou o rock regionalista do Mato Grosso do Sul no cenário nacional, e tornou os rostos dos irmãos Espíndola famosos em todo o Brasil, com direito a videoclipe no Fantástico no mesmo ano.
A voz singular da sul-mato-grossense alcançou um êxito tão grande, que logo ela se lançaria em carreira solo. Seu primeiro disco, Piraretã de 1980, traz composições de Almir Sater e o encontro com Arrigo Barnabé, que se tornaria seu parceiro em outros trabalhos. O disco, bastante sertanejo, traz referências indígenas em várias canções, mostrando a relação íntima da artista com o Pantanal. Não demorou nada para Tetê ser convidada por outros grandes artistas para colaborações, entre eles Ney Matogrosso, Clementina de Jesus e sua irmã, Alzira, com quem gravaria um disco em 1998, o Anahí.
Um dos seus discos mais marcantes e experimentais é Pássaros na Garganta, de 1982. Além da maior parte das composições serem da Tetê, ela utilizou muitos sons de natureza representativos de sua terra diversa e rica. Há inclusive canções gravadas dentro de uma gruta, a Gruta do Lago Azul, em Bonito no Mato Grosso do Sul, fazendo que os sons captados ficassem com efeitos de eco.
Além de cantora, Tetê também mostrou sua versatilidade de atriz, estrelando o filme Mônica e a Sereia do Rio, de 1986. No filme ela fez o papel de uma sereia encantada e misteriosa que cativa Mônica com a sua voz. O filme, assim como o disco Pássaros na Garganta, foi gravado em um lugar exuberante, Pousada do Rio Quente em Goiás, com a cara da artista.
Outro disco experimental (e difícil de ser encontrado) que desperta o interesse dos seus fãs é o Babeleyes, de 2009, em parceria com o músico francês Philippe Kadosch. Tetê já mostrara o êxito dessa parceria quando lançou o VozVoixVoice em 2001, em que ela brinca com os sons que a sua voz inigualável consegue alcançar. No Babeleyes, além de ser apaixonante a maneira como a cantora explora o seu alcance vocal, nós podemos viajar em uma excursão antropológica, visto que o disco foi gravado com línguas mortas e em perigo de extinção.
Em 2014 Tetê lança, pelo selo SESC, um disco duplo, com a remasterização de Pássaros na Garganta e o lançamento de Asas do Etéreo. Depois, em 2017, ela lança também pelo selo SESC Outro Lugar, disco de inéditas que reflete sobre o não ser daqui e não ser de lá, mas pertencer ao lugar onde vivemos. Finalmente, em 2018, chega Recuerdos, disco de raízes pantaneiras e sertanejas em participação com sua irmã Alzira E.
Os trabalhos mais recentes lançados pela artista são o 3 Saudades (2020) e Notas de Tempo Nenhum (2022), ambos em colaboração com Hilton Raw, enquanto Arribo Barnabé participa do primeiro disco. Estes trabalhos, com influências do jazz e da vanguarda paulista, nos levam a uma experiência íntima com os artistas envolvidos.
MINHA RELAÇÃO COM A ARTISTA
Esta cantora com pássaros na garganta é a grande responsável pela minha primeira reconexão com a natureza. Nas minhas longas viagens de ônibus pelo sul do Brasil, ela era minha companheira indispensável, no meu velho e parceiro tocador de MP3. Ao olhar as paisagens pela janela, durante aquelas viagens de mais de 15 horas, as suas músicas me levavam a imaginar mundos distantes e próximos, do ontem e do hoje, que vivem em nosso imaginário, sejamos do campo ou da cidade grande. Ver um show da sul-mato-grossense é um prato cheio para quem quer fugir do caos das cidades frenéticas e se teletransportar para a natureza exuberante e cheia de mistério do Pantanal.
Foto do Jaguar em seu habitat natural - Pantanal Brasil. Foto: @ abraaoopaes / @animalpantanaltour