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Educador, linguista, escritor, estudante de antropologia e mentor de jovens
30 de maio de 2022
Lingua franca
substantivo [geralmente singular]
uma língua utilizada para comunicação entre grupos de pessoas que falam diferentes línguas:
A comunidade internacional de negócios vê o inglês como uma lingua franca.
FONTE: CAMBRIDGE DICTIONARY
Pelo que já podemos notar, nós brasileiros, por não termos o inglês como nossa língua nativa, quando falamos com anglófonos ou pessoas de países que não têm o inglês como língua materna, estamos falando English as a Lingua Franca (ELF).
Um reflexo do inglês falado por brasileiros, em diferentes graus, é a influência da língua portuguesa em seu discurso, seja em palavras ou pronúncias. Eu como professor já notei alguns padrões de pronúncia dos alunos que são uma clara atuação da língua portuguesa. Você já percebeu que os brasileiros colocam o som de 'i' no final de muitas palavras? Quando estamos falando outras línguas, entre elas o inglês, este mesmo padrão se repete.
E isto é um problema? Sim e não.
SIM, se esta interferência dificultar a comunicação entre as pessoas na língua alvo. Dentro do ELF há estudos referentes a pronúncia que definem os sons que são extremamente necessários para a inteligibilidade entre as pessoas, como a maioria dos sons consonantais, com exceção do som do TH que pode ser substituído por F ou D. Assim sendo, o estudo da pronúncia ainda é importante ao estudar uma língua franca.
Por outro lado, NÃO se a pronúncia e as palavras usadas não interferirem de maneira expressiva na comunicação. Como discutido acima, existem alguns sons indispensáveis para a comunicação. Por outro lado, o seu sotaque (não confundir sotaque e pronúncia) é a sua identidade e diz muito a seu respeito. A maneira que falamos está diretamente atrelada à nossa cultura. Linguagem é como uma grande feira de especiarias, e os traços culturais do lugar onde você nasceu são os temperos. Cada pessoa tem o seu próprio tempero, que depende de sua cultura, lugar e contexto social em que está inserido. Mas no final todos usam as especiarias para o mesmo fim, comer.
"As diferenças cruciais que distinguem as sociedades humanas e os seres humanos não são biológicas. Elas são culturais."
Ruth Benedict
Esta diversidade faz com que a dualidade de inglês bom ou inglês ruim seja bastante problemática. Ao dividir pessoas que soam mais 'educadas' e mais 'inteligentes' ao falar com determinada pronúncia, simplesmente estamos hierarquizando o idioma, e em consequência as pessoas. Não surpreendentemente, essa separação foi promovida por aqueles que detêm os meios de comunicação de massa e o poder econômico. E esta é uma discussão que se faz urgente no ensino de idiomas, a de que não existem apenas uma ou duas maneiras de falar um idioma no mundo.
Então é errado ensinar o Standard English? Não necessariamente. O inglês padrão pode ser uma ferramenta muito valiosa no caminho à fluência. O acesso às pronúncias do inglês padrão ainda é o mais rápido e fácil que temos, como exemplo do Cambridge Dictionary, o dicionário que eu mais utilizo com os meus alunos. Outro fator é que grande parte das produções audiovisuais americanas e inglesas utilizam algo próximo do inglês padrão, então não existe problema em um professor utilizar esta forma de inglês como base. Porém, agora que entra a Lingua Franca, o professor deve estar consciente da diversidade linguística da língua inglesa, para poder expor o aluno às mais variadas formas de falar e também aos interesses e objetivos específicos de cada estudante.
No mundo existem ao redor de 1,5 bilhão de falantes da língua inglesa, destes apenas 1/4 são falantes de inglês como primeira língua. Apenas este dado já explicita a urgência de uma discussão sobre língua franca na indústria de ensino de língua inglesa. O mesmo para o português. Na própria capital de São Paulo, o que se convencionou ser o mais próximo do 'português neutro' (termo profundamente contestável), as pessoas falam de maneira muito diversa entre si, e muito distante do português de Lisboa, por exemplo, em gramática, pronúncia e vocabulário. A capital portuguesa possui menos de 600 mil habitantes, dos quais 20% são estrangeiros, representando pouco mais de 0,2% dos falantes desta língua.
"A força está nas diferenças, não nas similaridades"
Stephen R. Covey
O que torna o Planeta Terra mais belo é a diversidade de cores, sabores, aromas, sons. E o que torna o ser humano mais humanos é perceber que ninguém é nem mais, nem menos do que ninguém. De fato, o mundo é mais bonito quando, cada pessoa, mesmo que com temperos muito diferentes entre si, podem se comunicar através da mesma língua.