JOVEM, É PRECISO FALAR SOBRE SEXO ANTES DE PRATICÁ-LO
A indústria do entretenimento moldou a nossa visão
sobre o sexo e os papéis de gênero. E agora, o que fazer?
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A indústria do entretenimento moldou a nossa visão
sobre o sexo e os papéis de gênero. E agora, o que fazer?
Educador, linguista, escritor, estudante de antropologia e mentor de jovens
14 de março de 2023
Não são incomuns notícias em meios de comunicação sobre os alarmantes índices de infecções sexualmente transmissíveis, violência de gênero e gravidez na adolescência. Porém, não é preciso ir tão longe. Se você que está lendo este artigo tem entre 13 e 24 anos, faixa etária que segundo a neurologia corresponde à adolescência, é possível que você mesmo ou alguém próximo já tenha passado por alguma dessas situações. O que, no entanto, falar sobre sexo na adolescência tem a ver com a prevenção desses casos?
Primeiramente é preciso pontuar que ESTE TEXTO NÃO É SOBRE COMO FAZER SEXO. Ele não é um guia de práticas sexuais como o Kama Sutra indiano - ainda que este seja um belíssimo livro que se propõe a elevar o ato sexual a um plano espiritual. TÃO POUCO É UM TEXTO DE CURIOSIDADES SOBRE A VIDA SEXUAL DE ALGUÉM. Sexo é algo muito íntimo entre duas (ou às vezes mais pessoas) e embora a era das redes sociais tenham nos levado a crer que tudo o que fazemos deve ser registrado e postado, o texto se propõe justamente a falar da importância da privacidade no ato sexual. As discussões e abordagens neste artigo vão de encontro, antes de mais nada, com o desenvolvimento pessoal e o autoconhecimento de cada jovem. Uma conversa franca e direta, baseada nas minhas reflexões pessoais, de meus estudos sobre adolescência e psicologia, e as observações feitas sobre meus estudantes. O texto se propõe a devolver o poder de cada um sobre o seu próprio corpo, a desenvolver a consciência dos direitos do outro sobre o seu corpo e a desmistificar o assunto SEXO, para que ele deixe de ser um tabu, uma vez que está diretamente ligado à autoestima e à saúde física e mental do adolescente.
Antes um lugar de encontro íntimo entre pessoas, hoje é vendido como um ato mecânico, instrumental e muitas vezes violento. São várias as problemáticas que ressignificaram o sexo, e uma delas é o machismo. As sociedades contemporâneas sofrem as consequências de terem sido fundadas em uma visão de mundo essencialmente patriarcal, onde os homens gozam de certos privilégios e direitos que as mulheres não têm acesso tão facilmente. Homens são encorajados a serem fortes, viris e desbravadores, enquanto as mulheres devem ser frágeis, delicadas e submissas. Estas qualidades masculinas são fortemente impulsionadas pela indústria do entretenimento, sendo facilmente percebidas em produções cinematográficas como na sequência milionária de Velozes e Furiosos. As representações femininas no cinema, por outro lado, são mais comumente de moças frágeis e indefesas, em que apenas um homem (ou um príncipe) é capaz de salvá-la. Esta visão é retratada na maioria dos filmes da Disney prévios a Mulan e Pocahontas, e também em comédias românticas, outro gênero, ao lado de ação, líder de bilheterias. Ainda que a poderosíssima empresa norte-americana de animações tenha se proposto a questionar seu histórico machista nos filmes, ela parece estar acompanhando um movimento com o qual é incapaz de lutar contra. Neste aspecto é necessário dar crédito ao estúdio japonês Studio Ghibli, que desde os anos 80 destaca o papel feminino em suas animações, fazendo dos homens ajudantes das protagonistas femininas, no lugar de serem seus salvadores. A indústria do cinema, fortemente monopolizada pela gigante Disney, moldou a forma do pensamento ocidental a respeito do papel da mulher na sociedade, enquanto os super-heróis (hoje a Marvel também é parte do grupo Disney) nos reforça o papel salvador do homem. Os filmes da PIXAR são geralmente os que discutem as questões de gênero com mais profundidade e desconstrução. A PIXAR é outro estúdio comprado pelo grupo Disney. Neste ponto, corro o risco de fugir do assunto central, passando para uma discussão sobre monopólios. No entanto, esta contextualização é justamente relevante por ressaltar a importância do jovem também consumir entretenimento fora dos grupos dominantes do mercado. Quantos de vocês já assistiram aos filmes A Viagem de Chihiro, Princesa Mononoke, O Serviço de Entregas da Kiki ou O Conto da Princesa Kaguya? Arrisco dizer que poucos.
Ainda mais agressivo que a indústria comercial do entretenimento, outro componente que se dedica a ditar padrões de comportamento é a indústria pornográfica. Hoje, com a tecnologia tão acessível ao jovem, ter contato com vídeos pornográficos se tornou tão fácil e tão perigoso como comprar uma garrafinha de refrigerante. E esta poderosa indústria tem interesse em apenas uma coisa: dinheiro. Os sites pornô reforçam diversos comportamentos machistas da sociedade, como a violência de gênero e o poder masculino, além de vender padrões de corpo e beleza totalmente irreais. Quando o jovem assiste a filmes pornográficos, em especial meninos, entram em comparações entre o seu corpo e o do ator, com inquietações como: meu tanquinho não está definido. Meu pênis não é tão grosso nem tão grande. Será que eu consigo fazer o que ele faz?
Assim como os filmes de Hollywood, os filmes pornográficos são da mesma maneira representações de cenas por atores profissionais que seguem os comandos de um diretor. As posições, as falas, a maneira como as pessoas dos filmes se tratam, é diretamente dirigida pela produção. Logo, é preciso ter algo em mente: as cenas de filmes pornôs não são reais, logo, não são exemplos a serem seguidos por quem as assiste.
Ainda que estes padrões de comportamento feminino e masculino sejam evidentemente nocivos para as meninas que crescem rodeadas por estereótipos, eles também prejudicam a saúde mental, física e sexual dos meninos, que sempre estão em busca de uma masculinidade idealizada - ser forte, destemido, violento, não chorar, ter um carro veloz, um corpo definido e muito dinheiro. A cultura pop está diretamente relacionada com homens que crescem fisicamente sem nunca passar completamente por um processo de amadurecimento à vida adulta, vivendo em uma eterna infantilidade. Vivemos em uma realidade que diz ao jovem que não é bem-visto chorar, mostrar fragilidade, ter sentimentos. Isso nos leva ao desenvolvimento de uma masculinidade tóxica, em que nós homens nos ferimos entre nós mesmos e onde a homofobia é evidenciada em atos de violência física e verbal explícitos ou escondida em piadas e outras formas de violência velada. Também nos empurra a ferir as mulheres, de maneira real ou simbólica. Você lava a louça na sua casa? Você arruma seu quarto? Lava a sua roupa? Hoje muitas meninas se recusam a fazer esse determinado tipo de atividade doméstica, algo que é compreensível quando se vive inserido em uma cultura que incentiva as mulheres a cuidar da casa e o homem a curtir a vida e a liberdade. Meninas estão exaustas de arrumar a casa enquanto seus irmãos estão na rua jogando bola. Aqui é preciso ter claridade em algo: cuidar da casa é obrigação de todas as pessoas que vivem nela e possuem as condições físicas de fazê-lo. Estas questões de privilégio masculino são também levadas para a cama, quando em um encontro heterossexual, um homem se sente no direito sobre o corpo da mulher. Em uma conversa com um jovem de 24 anos, que se denomina heterossexual, ainda que tenha encontros casuais com outros homens, ele diz: "Eu prefiro estar com mulheres, porque eu me sinto mais no controle. Mulheres são mais submissas. Quando eu estou com elas, elas se abrem como uma flor." Notamos nesta declaração mais uma vez a relação de poder do masculino sobre o feminino, que também é encontrada nas relações entre dois homens, quando o mais delicado ou que desempenha o papel passivo no sexo é visto como inferior, mais fraco. Algumas línguas propõem o termo relações homoafetivas para relações de pessoas do mesmo sexo, mas no caso masculino frequentemente está a ausência do afeto.
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E como é a vida sexual do jovem na prática? Um estudo da faculdade de medicina da USP (Universidade de São Paulo) de 2017, sobre o comportamento sexual do jovem brasileiro, revelou que em média o primeiro ato sexual do brasileiro é aos 13 anos. Uma idade muito prematura que expõe um dado preocupante, sendo que o nesta idade o cérebro do adolescente ainda está passando por desenvolvimentos importantes, chegando a sua plena maturidade apenas aos 24 anos, 11 anos mais tarde. Somado a isso, temos que a educação sexual nas escolas é praticamente inexistente, sendo muitas vezes desencorajada pelas autoridades políticas, grupos religiosos, pelas escolas e até pelos pais. Outro estudo, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) de 2020 concluiu que 85% das vítimas de estupro no Brasil são mulheres, 70% são crianças ou vulneráveis e quase 84% do crime foi cometido por alguém conhecido pela vítima. Embora os meios de comunicação nos façam crer que o perigo do estupro está nas ruas, além de geralmente culpar a vítima pela roupa que usava ou comportamento que demonstrava antes do crime, o verdadeiro perigo está dentro de casa. Logo, fica a pergunta, de quem é o interesse para que o jovem não tenha educação sexual nas escolas, conhecendo assim seus direitos e responsabilidades?
TEXTO: CLOSE: OS PAPÉIS DA MASCULINIDADE NA ADOLESCÊNCIA
Ainda é prática comum, com predominância no campo, que o menino seja encorajado a ter sexo o mais cedo possível, e de preferência com garotas mais velhas ou até mesmo mulheres adultas. Pais, tios e primos são frequentemente os envolvidos nesse 'rito de passagem'. A frase "Agora você vai virar homem, cabra macho!" é dita antes de o menino ter o seu primeiro encontro sexual com a mulher contratada. Aqui entramos em outro questionamento: esta iniciação sexual compulsória dos meninos é uma forma de estupro? Em sociedades fundadas no patriarcado e no machismo, o sexo para os meninos é visto como algo que reforça a sua masculinidade, ainda que ele seja forçado a iniciar sua vida sexual antes que esteja pronto ou que realmente deseje fazê-lo.
Mas, afinal, quando um jovem está pronto para ter sexo? A resposta é: depende. Autoconhecimento é uma das palavras-chave para o jovem que busca saber quando deve iniciar sua vida sexual e como fazê-lo de maneira saudável. Se for possível conversar sobre sexo com os pais, cuidadores ou outros familiares de maneira aberta, sem preconceitos e tabus, esta é a melhor opção. Porém não é a única. A escola também pode ser um espaço de educação sexual, ainda que existam muitas iniciativas contra a abordagem no ambiente escolar. Ainda existe a ajuda profissional, com médicos e psicólogos que podem ajudar o jovem a entender seu próprio corpo, as modificações pelas quais ele está passando, ensinando por exemplo, sobre os métodos de prevenção contra as ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) e a gravidez precoce na adolescência. Um hebiatra (médico da adolescência) que eu sigo e recomendo é o Felipe Fortes, que com linguagem acessível dá dicas para os jovens pelo Instagram. Não é aconselhável, no entanto, buscar informações de forma independente na internet, pois ela é espaço com uma infinidade de informações equivocadas e falsas. Mais ainda se pensarmos em redes sociais como o TIK TOK, o Instagram, o Facebook e o Twitter. Pessoas postam nas redes o que quiserem, sem se importar com a fontes nem a veracidade dos conteúdos. Para buscar informações confiáveis na internet, a primeira coisa a ser feita é averiguar a confiabilidade daquela fonte, e para isso é preciso que o jovem tenha boa alfabetização digital e pensamento crítico. Tão pouco é uma boa ideia conversar com colegas da mesma idade, pois os outros jovens podem estar passando pelas mesmas questões que você, e suas fontes podem não ser nada confiáveis. Algumas séries e animações têm se proposto a discutir os temas da sexualidade nas plataformas de streaming, como a série inglesa Sex Education, que traz o protagonista, Otis, interpretado por Asa Butterfield, um estudante de ensino médio e filho de uma sexóloga que passa a oferecer conselhos sexuais para os outros jovens do colégio. Muitos problemas surgem a partir desses conselhos de alguém que não é realmente experto no assunto, ao mesmo tempo que revela inquietações típicas da adolescência. A série é muito cuidadosa com os temas tratados, onde os adultos ajudam nos processos de amadurecimento dos jovens. Também está a animação Big Mouth que acompanha a rotina escolar de adolescentes entre 12 e 13 anos, que lidam com os desafios apresentados pelas transformações dos seus corpos e de seus desejos sexuais na puberdade. Esta animação também tem uma preocupação especial em tratar um assunto tão complexo e delicado de forma lúdica e divertida. A puberdade, por exemplo, é retratada por monstros cabeludos frequentemente excitados. As séries estão longe de serem uma real educação sexual, este papel deve sim ser exercido pela própria família e a escola, porém é um formato interessante que está ocupando a lacuna deixada pela moralidade muitas vezes prejudiciais na nossa sociedade.
Nesta guerra midiática, todos nós somos ao mesmo tempo receptores e divulgadores de informações, logo é preciso ter muito cuidado com o que consumimos e também responsabilidade com o que propagamos. O jovem, mais-que-tudo, é o que mais sofre em meio ao bombardeamento de conteúdos na internet. Mais uma vez, o autoconhecimento é essencial para se proteger de discursos imediatistas que forçam o jovem a fazer algo que ele não se sente preparado. Em um mundo tão frenético, acelerado e caótico, o melhor conselho que eu posso te dar, querido jovem, é: calma, tudo tem a hora certa de acontecer. E a hora certa, com muito autoconhecimento, só você é capaz de decidir.
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