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Educador, linguista, escritor, estudante de antropologia e mentor de jovens
2 de janeiro de 2023
No caminho entre a capital e o litoral paulista, reside a primeira cidade fundada no interior do estado. Subindo a serra, o povo português se encontrou com guaranis, tamoios, tupiniquins, tupinambás, carijós, e em meio a este contato de mundos, com muitas perdas nativas, Santo André da Borda do Campo, foi fundada oficialmente em 1553, um ano antes da fundação da cidade de São Paulo. Com o tempo, esta grande extensão de terra foi se dividindo entre fazendas e sesmarias, até dar origem às três primeiras cidades: Santo André, São Bernardo e São Caetano. Hoje vamos passear pela primeira.
Antes da chegada dos portugueses, as nações indígenas que habitavam a região eram pertencentes do tronco linguístico tupi-guarani, com grande destaque aos Tamoios, indígenas guerreiros e sábios, os mais antigos a terem se instalado no litoral paulista. O significado da palavra tamoios é 'avós'. No censo de 2008, o Grande ABC contava com cerca de 8 mil indígenas, número ainda tímido frente aos mais de 2,5 milhões de habitantes da região. Outros grupos, se instalaram na região ao longo dos séculos. Afro-brasileiros, descendentes de europeus (especialmente portugueses e italianos), nipo-brasileiros, sírio-libaneses e também comunidades de estrangeiros, vivem hoje na cidade por diferentes razões, dentre as quais trabalho e educação se destacam. A região é um importante polo industrial, com montadoras multinacionais como a GM e a Volkswagen. No que concerne a educação, a Universidade Federal do ABC é um dos centros educacionais públicos de maior prestígio nas áreas tecnológicas, atraindo muitos jovens em busca de graduação e pós-graduação gratuita e de qualidade. Ainda há o caso de pessoas que buscam refúgio humanitário, após terem deixado seus países de origem.
A geografia e a natureza de Santo André são bastante privilegiadas. Com solo fértil e rica presença da Mata Atlântica, onde mais da metade do território é área de proteção ambiental, a cidade oferece uma excelente qualidade de vida aos seus moradores. Santo André e cidades limítrofes, estão há anos no topo da lista de cidades com melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil. Além disso, os andreenses têm ao seu dispôr 10 excelentes parques urbanos para atividades físicas e recreativas. Parques são um tipo de passeio muito querido pelos habitantes da cidade, e eles estão particularmente movimentados nos finais de semana.
As áreas verdes mais conhecidas são o Parque Central, sendo também o mais extenso, com quase 400 mil metros² e contando com quadras poliesportivas, lagoas, uma concha acústica para eventos culturais, ciclovia, parquinhos para crianças e academia ao ar livre. Neste parque é possível ver diversos tipos de plantas e aves, como quero-queros, garças, bem-te-vis, sabiás, maritacas e pica-paus. Outro cartão postal da cidade é o Parque Celso Daniel, próximo à estação de trem de mesmo nome, ambos em homenagem ao prefeito assassinado no ano de 2002. Este parque, com um trabalho urbanístico belíssimo, conta com quadras de tênis, um ginásio e lagoas com peixes e cágados. A área verde está localizada entre a linha de trem e o bairro mais valorizado da cidade, o Bairro Jardim, conhecido pelos seus prédios luxuosos, escolas internacionais, requintada rota de restaurantes e agitada vida noturna.
Em sua época de ouro, em especial na gestão de Celso Daniel, prefeito muito querido pelos andreenses até hoje, a cidade respirou arte, recebendo diversas manifestações culturais com frequência, sendo os parques um dos principais palcos.
Áreas verdes são indispensáveis para o bem-estar da população, assim como os hospitais e demais centros de atenção à saúde pública. A cidade de Santo André também é referência neste tipo de serviço, com instalações que atendem a população local e regional por meio do SUS (Sistema Único de Saúde). Entre os mais bem avaliados estão o Hospital da Mulher Maria José dos Santos Stein, o Centro Hospitalar Municipal de Santo André e o Hospital Estadual Mario Covas. Os residentes também contam com os excelentes serviços das UBS (Unidades Básicas de Saúde), das UPAS (Unidades de Pronto Atendimento) e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial).
No setor cultural, iniciativas públicas e privadas seguem resistindo nas terras andreenses. A Livraria Alpharrabio, idealizada pela poetisa e autora luso-brasileira Dalila Teles Veras, é um espaço de encontro entre pessoas apaixonadas por literatura e música. O Sarau na Quebrada, que tem como idealizadores o cozinheiro, guia turístico e gestor cultural Neri Silvestre e a educadora, poetisa e gestora cultural Gláucia Adriani, colorem a vida dos moradores da Vila Luzita, na periferia de Santo André, com música, comidas afro-brasileiras e muita poesia. O Espaço Aberto, espaço voltado para a comunidade LGBTQIA+, em especial as mulheres lésbicas, é um ponto de resistência para pessoas que gostam de churrasco e música brasileira de qualidade.
Além dessas iniciativas, a cidade conta com alguns aparelhos culturais, com destaque para o Museu Municipal, um prédio patrimonial, bastante charmoso em tons amarelos, na Rua Senador Fláquer. Também no centro estão a Casa da Palavra, voltada a atividades literárias e a Casa do Olhar, que recebe exposições visuais. O SESC (Serviço Social do Comércio), grande promotor de cultura em solo brasileiro e de presença indispensável em São Paulo, teve sua unidade de Santo André inaugurada em 2002, tendo recebido diversos artistas do Brasil e do mundo em festivais, exposições e encontros. Também na unidade encontramos academia, piscina externa e interna, quadras, restaurante, biblioteca e livraria.
Outro lugar de interesse na cidade é o Sabina - Parque Escola do Conhecimento, localizado ao lado do Parque Central. O prédio foi desenhado pelo renomado arquiteto Paulo Mendes da Rocha, e acolhe as crianças e adolescentes das escolas da região, para explorar suas salas científicas e seu planetário. Jovens curiosos sobre geografia, biologia, astronomia, física, química e até paleontologia, se divertem enquanto aprendem muito. Também é possível visitar o Sabina com a família e amigos.
Ainda no tema educação, Santo André é referência no estado de São Paulo com as suas Escolas Livres, espaços geridos pela Prefeitura de Santo André por meio da Secretaria de Cultura. A Escola Livre de Teatro (ELT), a Escola Livre de Dança (ELD) e a Escola Livre de Cinema e Vídeo (ELCV), são a tríade que compõem estes núcleos de formação. Os cursos são totalmente gratuitos e atraem não apenas pessoas do Grande ABC, mas também de outras partes do Brasil e de outros países. Liniker e Linn da Quebrada são duas cantoras e atrizes filhas da ELT com grande destaque na atualidade.
A arquitetura de Santo André possui outros exemplos notórios, desde as casinhas tipicamente paulistas, que ainda resistem em meio aos condomínios muralhados, os prédios da Fundação Santo André, uma das faculdades mais prestigiosas e tradicionais da região, o prédio da OAB, a galeria ao ar livre Oliveira Lima, o Teatro Municipal e o próprio Paço Municipal, projetado pelo arquiteto Rino Levi e pelo paisagista Burle Marx.
A arte urbana está presente nos diversos barzinhos andreenses. Todas as tribos se encontram na Praieira, casa em homenagem à Chico Science e o Movimento Manguebeat. Cerveja a preço justo, comidas típicas e som ao vivo, convidam pessoas de toda a região a se encontrarem no centro da cidade. Percorrendo Santo André, os grafites e pixos também revelam as vozes periféricas.
Um caminho férreo, cruzando a Mata Atlântica e unindo Santos e o ABC, foi construído pelos ingleses há mais de 100 anos. A 34 km de distância do centro da cidade, mantendo suas casinhas de madeira, cachoeiras e um mirante com vista para o mar, a vila de Paranapiacaba se origina do termo tupi-guarani que significa 'lugar de onde se avista o mar'. A vila recebe anualmente o já tradicional Festival de Inverno, que mistura música, teatro, dança e culinária. Por motivos econômicos, Paranapiacaba, os seus moradores e os demais andreenses vivem ameaçados por obras que podem colocar a sua natureza exuberante em risco. Felizmente, existem especialistas e demais pessoas da sociedade que compreendem o valor histórico da vila, se comprometendo com a sua defesa e pressionando o poder público a preservar este patrimônio ambiental e cultural.
A cidade inicia o ano de 2023 com um aparelho cultural há muito tempo esperado pela população. O Cine Theatro de Variedades Carlos Gomes passou por diversas reformas e intervenções desde a sua inauguração em 1923, sendo novamente devolvido à cidade em 2022, no seu aniversário. Prédio de valor histórico e afetivo inestimável para os andreenses, o espaço deve receber diferentes expressões artísticas, dentre elas a música, o cinema, o teatro e a dança.
“Esse é um momento especial, que já tem lugar reservado na lista de meus melhores momentos. Esse lugar, que não é mais um cinema de rua como foi um dia, mas que também exibirá filmes em outros formatos e dimensões, será o que as pessoas fizerem dele. As pessoas, seus desejos e usos, é que fazem o lugar, e essa é a proposta do Carlos Gomes”, celebra Simone Zárate, secretária da cultura de Santo André, na cerimônia de entrega, que contou com a presença do atual prefeito Paulo Serra e de Waldyr Macedo, ex-funcionário que trabalhou no teatro entre 1963 e 1968.
Santo André é uma cidade notavelmente mais tranquila do que a capital paulista, localizada a menos de 1 hora da Avenida Paulista em trem. Dependendo de onde você está, a cidade se sente um tanto quanto provinciana, ao mesmo tempo em que começa a reviver seus tempos de efervescência cultural, pedagógica e política. Conhecida como uma cidade dormitório, pois muitos dos seus habitantes trabalham e estudam em São Paulo, Santo André possui seu charme e seu jeito único de ser. Este singelo e despretensioso texto, tem o objetivo de mostrar um pouco do potencial turístico do Grande ABC, começando por Santo André. Será que vale a pena pegar aquele trem na terra da garoa e descer na terra da neblina? Adoniran Barbosa, ícone do samba paulista e ex-morador da cidade, te recomendaria tomar o trem das onze, não tendo que deixar para amanhã de manhã.
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